quinta-feira, 13 de outubro de 2016

O caso da Samarco e o rompimento da barragem de Fundão: a omissão estatal e a irresponsabilidade empresarial.

Momento em que os rejeitos chegaram ao mar





O caso da Samarco e o rompimento da barragem de Fundão é o exemplo mais extremo das violações da indústria da mineração no Brasil.






O maior desastre socioambiental do Brasil

        No dia 5 de novembro de 2015, no município de Mariana, em Minas Gerais, rompeu-se a barragem de Fundão, de propriedade da Samarco/Vale/BHP Billiton, liberando cerca de 50 metros cúbicos de rejeitos que se misturaram à água contida na barragem de Santarém, transbordando e produzindo uma “onda de lama” de 16 metros de altura que cerca de 4027 minutos após o rompimento atingiu a comunidade de Bento Rodrigues, a jusante da barragem. A lama chegou ao mar, distante mais de 600 km de distância, no dia 22 de novembro, 17 dias após a tragédia e continua avançando, tendo possivelmente atingido a Cadeia Vitória-Martins Vaz e Abrolhos, um dos maiores santuários de biodiversidade marinha do mundo. O fluxo proveniente do Rio Doce abastece a região marinha de Abrolhos com microorganismos essenciais para a alimentação dos animais dessa área e para o equilíbrio ambiental.
            Este é considerado o pior desastre ecológico na história do Brasil. Onde quer que tenha passado, a lama deixou um rastro de destruição e contaminou o solo, as margens dos rios e vitais fontes de abastecimento de água. As comunidades que dependem do Rio Doce para sua subsistência ainda estão sofrendo os impactos do desastre, já que tiveram de interromper suas atividades tradicionais e/ou comerciais, tais como agricultura, pesca e ecoturismo. A população indígena da etnia Krenak, que vive a cerca de 300 km a jusante do local do desastre, foi particularmente afetada. Com o Rio Doce agora contaminado com metais pesados, ficam privados de sua única fonte de água potável e de um elemento essencial do seu patrimônio cultural. Assim, o desastre ameaça sua própria sobrevivência enquanto coletividade.
            Depois de destruir o Distrito de Bento Rodrigues, a enxurrada de lama de rejeitos das barragens provocou severos danos e forçou o deslocamento de comunidades em Camargos, Cláudio Manuel, Paracatu de Cima, Paracatu de Baixo, Pedras, Barretos, Gesteira e Barra Longa. Ao longo de seu percurso pelo Rio Doce, a lama passou ainda por Santa Cruz do Escalvado, Belo Oriente, Periquito, Pedra Corrida, Alpercata, Governador Valadares, Tumiritinga, Galileia, Resplendor, Quatituba, Itueta, Aimorés, Baixo Guandu, Colatina, Marilândia, Linhares, Regência e Povoação, afetando direta e indiretamente um total de 3,2 milhões de pessoas. Estas são apenas as localidades atingidas que foram reconhecidas pela empresa, todavia, os efeitos do desastre atingem mais de 220 cidades, além de diversas comunidades tradicionais, inclusive indígenas, que embora não tenham sido diretamente atingidas pela lama como Bento Rodrigues e Barra Longa, foram gravemente afetadas pela interrupção do abastecimento de água captada do Rio Doce para consumo, agricultura, pesca e afins, atividades que permanecem gravemente afetadas devido à falta de informação conclusiva a respeito da qualidade e potabilidade da água e sua possível toxicidade.
            Trata-se do maior desastre do gênero na história da mineração sob pelo menos três aspectos: o volume de lama despejado (mais de 50 milhões de metros cúbicos), o trajeto percorrido pela lama (mais de 600 km) e o valor (estimado) dos prejuízos causados, que são calculados atualmente na ordem dos R$ 30 bi.
            De acordo com o relatório produzido pelo Grupo Política, Economia, Mineração, Ambiente e Sociedade – PoEMAS para avaliar o desastre da Samarco/Vale/BHP em Mariana (MG), há indícios de que existe um aumento do risco de rompimento de barragens no novo ciclo pós-boom do preço dos minérios, que se justificam basicamente por 4 motivos:
1- a alta dos preços promoveu a aceleração dos processos de licenciamento ambiental, que foram, por esse motivo, inadequados para a avaliação dos riscos;
2- na sequencia, a baixa dos preços intensificou a produção e medidas de redução de custos, como forma de manter os ganhos nos patamares dos períodos de preços altos;
3- o aumento da produção foi favorecido também (além da facilidade na obtenção do licenciamento) pelas inovações em beneficiamento, que permitiram lavrar reservas com teor cada vez menor de minério e
4- o resultado de tudo isso foi a construção de barragens de rejeitos cada vez maiores e menos seguras.

            Assim, foi exatamente nesse contexto da economia minerária no Brasil, considerado resultado do fim do megaciclo das commodities, que no dia 05 de novembro de 2015 ocorreu o maior desastre socioambiental da sua história e um dos maiores do mundo, com o rompimento da barragem de Fundão em Mariana (MG), que vem sendo classificado como “conflito socioambiental”, mas que se trata efetivamente de um “desastre tecnológico”. A tentativa de caracterizar o rompimento da barragem de Fundão como um conflito socioambiental tem a clara intenção de tratar os seus efeitos por meio de acordos provenientes da construção de pactos harmônicos entre partes potencialmente litigantes, ocultando o fato de que se trata de um crime ambiental que deve resultar na responsabilização objetiva, integral e solidária entre as empresas envolvidas, Samarco, Vale e BHP Billiton, sob pena de se perpetuarem as violações de Direitos Humanos ocasionadas por este desastre.
            Entre as violações cometidas pelo Estado brasileiro e pelas empresas privadas estão a ausência de assistência emergencial às vítimas, o não cumprimento do dever de informação e violação dos direitos à água, à saúde, à moradia, à vida e à integridade física, além de violações a outros direitos econômicos sociais e culturais. A tragédia deixou evidente que tanto o Estado como as empresas responsáveis, a Samarco, a Vale e a BHP Billiton estão despreparados para lidar com uma situação de desastre ambiental e humano de grandes proporções como essas.
            Em relação ao direito de acesso à informação e participação anterior ao acidente, é importante ressaltar que não houve participação da população na elaboração de um plano de contingência e nem mesmo a devida informação para as comunidades afetadas sobre os procedimentos em caso de emergência. Esses documentos, inclusive, deveriam ser públicos e amplamente divulgados. O que as investigações preliminares mostram é que sequer havia um sistema de alarme sonoro para avisar as comunidades situadas no entorno do empreendimento sobre um acidente na barragem e nem havia pessoas treinadas para dar assistência às famílias. Ademais, no Estudo de Impacto Ambiental relativo ao empreendimento, foi subestimada a quantidade de comunidades potencialmente atingidas por uma falha na barragem.