Momento em que os rejeitos chegaram ao mar |
O caso da Samarco e o rompimento da barragem de
Fundão é o exemplo mais extremo das violações da indústria da mineração no Brasil.
O maior desastre socioambiental do Brasil
No dia 5 de novembro de
2015, no município de Mariana, em Minas Gerais, rompeu-se a barragem de Fundão,
de propriedade da Samarco/Vale/BHP Billiton, liberando cerca de 50 metros
cúbicos de rejeitos que se misturaram à água contida na barragem de Santarém,
transbordando e produzindo uma “onda de lama” de 16 metros de altura que cerca
de 4027 minutos após o rompimento atingiu a comunidade de Bento Rodrigues, a
jusante da barragem. A lama chegou ao mar, distante mais de 600 km de
distância, no dia 22 de novembro, 17 dias após a tragédia e continua avançando,
tendo possivelmente atingido a Cadeia Vitória-Martins Vaz e Abrolhos, um dos
maiores santuários de biodiversidade marinha do mundo. O fluxo proveniente do
Rio Doce abastece a região marinha de Abrolhos com microorganismos essenciais
para a alimentação dos animais dessa área e para o equilíbrio ambiental.
Este é considerado o pior desastre ecológico na história
do Brasil. Onde quer que tenha passado, a lama deixou um rastro de destruição e
contaminou o solo, as margens dos rios e vitais fontes de abastecimento de
água. As comunidades que dependem do Rio Doce para sua subsistência ainda estão
sofrendo os impactos do desastre, já que tiveram de interromper suas atividades
tradicionais e/ou comerciais, tais como agricultura, pesca e ecoturismo. A
população indígena da etnia Krenak, que vive a cerca de 300 km a jusante do
local do desastre, foi particularmente afetada. Com o Rio Doce agora
contaminado com metais pesados, ficam privados de sua única fonte de água
potável e de um elemento essencial do seu patrimônio cultural. Assim, o
desastre ameaça sua própria sobrevivência enquanto coletividade.
Depois de destruir o Distrito de Bento Rodrigues, a
enxurrada de lama de rejeitos das barragens provocou severos danos e forçou o
deslocamento de comunidades em Camargos, Cláudio Manuel, Paracatu de Cima,
Paracatu de Baixo, Pedras, Barretos, Gesteira e Barra Longa. Ao longo de seu
percurso pelo Rio Doce, a lama passou ainda por Santa Cruz do Escalvado, Belo
Oriente, Periquito, Pedra Corrida, Alpercata, Governador Valadares,
Tumiritinga, Galileia, Resplendor, Quatituba, Itueta, Aimorés, Baixo Guandu,
Colatina, Marilândia, Linhares, Regência e Povoação, afetando direta e
indiretamente um total de 3,2 milhões de pessoas. Estas são apenas as
localidades atingidas que foram reconhecidas pela empresa, todavia, os efeitos
do desastre atingem mais de 220 cidades, além de diversas comunidades
tradicionais, inclusive indígenas, que embora não tenham sido diretamente
atingidas pela lama como Bento Rodrigues e Barra Longa, foram gravemente
afetadas pela interrupção do abastecimento de água captada do Rio Doce para
consumo, agricultura, pesca e afins, atividades que permanecem gravemente
afetadas devido à falta de informação conclusiva a respeito da qualidade e
potabilidade da água e sua possível toxicidade.
Trata-se do maior desastre do gênero na história da
mineração sob pelo menos três aspectos: o volume de lama despejado (mais de 50
milhões de metros cúbicos), o trajeto percorrido pela lama (mais de 600 km) e o
valor (estimado) dos prejuízos causados, que são calculados atualmente na ordem
dos R$ 30 bi.
De acordo com o relatório produzido pelo Grupo Política,
Economia, Mineração, Ambiente e Sociedade – PoEMAS para avaliar o desastre da
Samarco/Vale/BHP em Mariana (MG), há indícios de que existe um aumento do risco
de rompimento de barragens no novo ciclo pós-boom do preço dos minérios, que se
justificam basicamente por 4 motivos:
1- a alta dos preços
promoveu a aceleração dos processos de licenciamento ambiental, que foram, por
esse motivo, inadequados para a avaliação dos riscos;
2- na sequencia, a
baixa dos preços intensificou a produção e medidas de redução de custos, como
forma de manter os ganhos nos patamares dos períodos de preços altos;
3- o aumento da
produção foi favorecido também (além da facilidade na obtenção do licenciamento)
pelas inovações em beneficiamento, que permitiram lavrar reservas com teor cada
vez menor de minério e
4- o resultado de tudo
isso foi a construção de barragens de rejeitos cada vez maiores e menos
seguras.
Assim, foi exatamente nesse contexto da economia
minerária no Brasil, considerado resultado do fim do megaciclo das commodities,
que no dia 05 de novembro de 2015 ocorreu o maior desastre socioambiental da
sua história e um dos maiores do mundo, com o rompimento da barragem de Fundão
em Mariana (MG), que vem sendo classificado como “conflito socioambiental”, mas
que se trata efetivamente de um “desastre tecnológico”. A tentativa de
caracterizar o rompimento da barragem de Fundão como um conflito socioambiental
tem a clara intenção de tratar os seus efeitos por meio de acordos provenientes
da construção de pactos harmônicos entre partes potencialmente litigantes,
ocultando o fato de que se trata de um crime ambiental que deve resultar na
responsabilização objetiva, integral e solidária entre as empresas envolvidas,
Samarco, Vale e BHP Billiton, sob pena de se perpetuarem as violações de
Direitos Humanos ocasionadas por este desastre.
Entre as violações cometidas pelo Estado brasileiro e
pelas empresas privadas estão a ausência de assistência emergencial às vítimas,
o não cumprimento do dever de informação e violação dos direitos à água, à
saúde, à moradia, à vida e à integridade física, além de violações a outros
direitos econômicos sociais e culturais. A tragédia deixou evidente que tanto o
Estado como as empresas responsáveis, a Samarco, a Vale e a BHP Billiton estão
despreparados para lidar com uma situação de desastre ambiental e humano de grandes
proporções como essas.
Em relação ao direito de acesso à informação e
participação anterior ao acidente, é importante ressaltar que não houve
participação da população na elaboração de um plano de contingência e nem mesmo
a devida informação para as comunidades afetadas sobre os procedimentos em caso
de emergência. Esses documentos, inclusive, deveriam ser públicos e amplamente
divulgados. O que as investigações preliminares mostram é que sequer havia um
sistema de alarme sonoro para avisar as comunidades situadas no entorno do
empreendimento sobre um acidente na barragem e nem havia pessoas treinadas para
dar assistência às famílias. Ademais, no Estudo de Impacto Ambiental relativo
ao empreendimento, foi subestimada a quantidade de comunidades potencialmente
atingidas por uma falha na barragem.
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