Os países responsáveis pela maior parte da mudança climática estão se comprometendo com uma fatia pequena da sua parte nos cortes de emissões.
O Acordo Climático de
Paris, definido nas últimas conversas da COP21 em dezembro e assinado na
sexta-feira por cerca de 170 nações, está sendo aclamado como “um momento
decisivo para a humanidade” e denunciado como uma “distração perigosa”.
Não há dúvidas de que o
acordo “é o ponto culminante de anos e anos de trabalho duro”, como colocou o
presidente da Union of Concerned Scientists (UCS), Ken Kimmell, na
quinta-feira.
E a magnitude da
cerimônia de assinatura em Nova Iorque – a qual contou com a participação de
países como o pequeno Palau até os maiores poluentes como os Estados Unidos e a
China – “confirma que há uma forte vontade global em agir urgentemente para
limitar os impactos da mudança climática, trocando o combustível fóssil por energia
limpa e renovável e tecnologias efetivas”, disse o diretor de estratégia e
políticas da UCS, Alden Meyer.
Mas Sara Shaw,
coordenadora de justiça climática e energética da Friends of the Earth
International (FOEI), disse que a cerimônia foi apenas “um teatro da elite
global”, e que faltava “substância na implementação e ambição”.
Exigindo aos países que
determinem suas próprias metas para a redução das emissões de dióxido de
carbono e outros gases do efeito estufa como esforço para manter o aquecimento
global abaixo de 2ºC, “a assinatura formal do Acordo de Paris pode ser o
próximo prego no caixão da indústria de combustível fóssil”, disse a diretora
executiva da 350.org, May Boeve, “se os governos realmente seguirem seus
compromissos”.
Esse é um grande “se”.
Nos Estados Unidos, por
exemplo, o Plano de Energia Limpa, para cortar as emissões de carbono, é visto
como um componente crítico para alcançar as metas da redução de emissões. Mas
como o Los Angeles Times explicou na sexta-feira:
A peça central da
agenda climática de Obama – o Plano de Energia Limpa para limitar as emissões
de gases do efeito estufa das plantas energéticas – está no limbo enquanto a
Suprema Corte pondera um desafio dos estados e das indústrias que alegam que a
Agência de Proteção Ambiental (EPA) não tem autoridade legal para seguir com o
Plano. Mesmo se sobreviver, os cientistas dizem que há muito mais a ser feito
para alcançar as reduções nas emissões estipuladas no Acordo de Paris – reduzir
as emissões de gases do efeito estufa entre 26% e 28% abaixo dos níveis de 2005
até 2025.
E mesmo que os governos
cumpram com suas promessas, muitos experts dizem que isso não será suficiente
para prevenir contra o desastre climático.
Uma nova análise
divulgada essa semana pelo Climate Interactive e pela escola de negócios do MIT
fez um chamado para “que os cortes nas emissões aconteçam mais cedo e de
maneira mais profunda”, alertando que “a implementação completa das promessas
atuais resultaria em um aquecimento esperado para 2100 de 3.5ºC” – longe do
consenso limitado de 2ºC. Isso embasa um alerta similar divulgado ano passado
por uma aliança de grupos da sociedade civil, que disse que as promessas da
COP21 postas pelos países conseguem alcançar 3ºC ou até uma temperatura mais alta.
De fato, disse Jagoda
Munic, presidente da FOEI, “de uma perspectiva científica, os números não se
encontram. Os países historicamente responsáveis pela maior parte da mudança
climática estão se comprometendo com uma fatia pequena da sua parte de cortes
de emissões dos gases do efeito estufa”.
Em uma declaração, a
Chamada Global de Mulheres pela Justiça Climática disse na sexta-feira que
“enquanto o acordo em Paris pode representar um ponto de partida para a ação
coletiva...os termos não são claros e são injustos, a ambição é muito baixa, e
os direitos das pessoas e do país não foram assegurados”. O grupo está
organizando um protesto do Dia do Planeta do lado de fora da Organização das
Nações Unidas (ONU) para chamar atenção sobre o modo como as comunidades e as
mulheres são impactadas pela mudança climática.
Outro grupo, Climate
Mobilization, está organizando um “die-in”, uma forma de protesto no qual os
manifestantes se fingem de mortos, em Nova Iorque na sexta-feira para
“salientar o verdadeiro impacto do Acordo de Paris: mudança climática
desenfreada, falência do estado e bilhões de mortos”.
Citando os
significativos “negócios mal-acabados de Paris”, a diretora executiva
internacional da Oxfam, Winnie Byanyima, disse, na sexta-feira, que as previsões
do acordo “não são suficientes para evitar nossa ida a um mundo com 3oC e não
asseguram as medidas necessárias para um financiamento adequado que garanta que
milhões de pessoas vulneráveis possam se preparar e responder a um crescente
caos climático”.
De fato, ela notou, “se
todas as finanças públicas atuais de adaptação ao clima fossem divididas entre
os 1.5 bilhões de pequenos agricultores nos países em desenvolvimento, eles
receberiam cerca de três dólares por ano para lidar com as mudanças climáticas”.
De modo a reduzir
mudanças climáticas perigosas, de acordo com a FOEI:
- Necessitamos de uma
transformação energética global e justa, incluindo o bloqueio de projetos com
energia suja, aperfeiçoando a eficiência energética, atacando os problemas de
acesso à energia e trocando para uma forma de energia renovável e que pertença
às comunidades.
- Precisamos de
financiamento dos países desenvolvidos aos em desenvolvimento para ajudá-los a
abandonar a energia suja
- Precisamos que os
países cortem as emissões nas fontes, e que não se escondam atrás de mercados
de carbono, REDD (Redução de emissões decorrentes do desmatamento e da
degradação de florestas) e outras soluções falsas.
Para fazer isso seria
necessária uma mudança de paradigma, disse Nnimmo Bassey, diretor da Fundação
HOME (Health of Mother Earth).
“O Acordo de Paris
bloqueia os combustíveis fóssil e, para salientar a captura das negociações
pelas corporações, a palavra ‘fóssil’ não é tão mencionada no documento”, ele
aponta. “É chocante que, mesmo que já seja sabido, que a queima dos
combustíveis é a maior causa do aquecimento global, as negociações climáticas
engajam em platitudes ao invés de ir direto ao ponto”.
“Os cientistas nos
dizem que a queima dos combustíveis fósseis deveria terminar em 2030 se
houvesse a chance de manter o aumento de temperatura em 1.5 graus acima dos
níveis pré-industriais”, continuou Bassey. “O sinal que temos do silêncio sobre
o fator dos combustíveis é que as companhias de petróleo e carvão podem
continuar a extrair lucro enquanto queimam o planeta”.
A assinatura é o
primeiro passo de um processo de dois passos para que os países formalmente
integrem o acordo – o próximo é a ratificação. O acordo entrará em vigor no
trigésimo dia após a data na qual ao menos 55 partidos, representando ao menos
55% dos gases de efeito estufa do mundo, completem este processo.
Nos EUA, o secretário
de Estado, John Kerry, assinou o acordo na sexta-feira, e o presidente Barack
Obama irá ratificá-lo antes que deixe o cargo em dezembro, disse um
representante do país à CBS News em uma conferência telefônica essa semana.
O secretário geral da
ONU, Ban Ki-moon, anunciou que 15 países integrariam formalmente o acordo
imediatamente na sexta-feira, muitos deles pequenos estados-ilhas em
desenvolvimento – o Instituto de Recursos Mundiais aponta “[esses são os
lugares] posicionados para sofrerem os piores impactos da mudança climática
mesmo que sejam os que menos contribuam para as causas do problema”.
CARTA MAIOR
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