Escolha de
entrevistados polêmicos na cobertura da imprensa brasileira sobre o aquecimento
global pode enfraquecer a pressão social para que autoridades estabeleçam ações
de adaptação e mitigação.
A desconfiança dos
brasileiros com relação ao aquecimento global está aparentemente maior do que
nunca, com especialistas contrários ao fenômeno assumindo status de verdadeiras
celebridades nacionais. Pesquisadores climáticos, contudo, divergem sobre qual
deve ser a resposta da comunidade científica e alguns defendem que o ideal é
ignorar os céticos.
Uma dessas novas
personalidades entre os céticos é o professor Ricardo Augusto Felício, do
Departamento de Geografia da USP, que ganhou notoriedade ao aparecer no
programa de Jô Soares afirmando que atribuir problemas climáticos à presença do
dióxido de carbono (CO2) na atmosfera seria ridículo. O vídeo do programa no
Youtube já ultrapassou mais de 700 mil visualizações.
Outro nome forte entre
os céticos brasileiros é o do professor Luiz Carlos Baldicero Molion, da
Universidade Federal de Alagoas. Há anos Molion contesta estudos sobre as
mudanças climáticas, sendo que recentemente foi entrevistado pela Folha de São
Paulo e também foi a fonte mais citada na série “Aquecimento global, uma dúvida
conveniente” do Jornal da Band.
“A comunidade
científica é um meio democrático. Mas quem escolhe o espaço para essa ou aquela
fonte é a imprensa, que muitas vezes opta por ser sensacionalista”, destacou
Reynaldo Luiz Victoria, da Coordenação do Programa FAPESP de Pesquisa em
Mudanças Climáticas Globais, durante o evento Gestão dos Riscos dos Extremos
Climáticos e Desastres na América Central e na América do Sul.
O crescimento do espaço
dos céticos não parece preocupar os cientistas ligados ao Painel
Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC). José Marengo, pesquisador do
Centro de Ciência do Sistema Terrestre do INPE, por exemplo, não enxerga os
céticos como ameaça e prefere ignorá-los.
“Não temos porque
retrucar, seria apagar fogo com gasolina. Não precisamos dar mais dez minutos
de fama para essas pessoas. Se a imprensa quisesse, poderia nos procurar para
confirmar as informações que conseguiram. Mas isso nunca acontece”, declarou
Marengo.
Para o ambientalista
Fábio Feldman, essa postura de não enfrentamento é ruim para o desenvolvimento
de políticas públicas para as mudanças climáticas.
“Toda a vez que uma
dessas pessoas aparece na mídia, mais cidadãos deixam de participar de
movimentos que pressionam o governo para agir. A desinformação deixa as pessoas
confusas”, explica.
Sobre o professor
Ricardo Augusto Felício, Feldman destaca que a USP deveria ter vindo a público.
“Ao não se manifestar, o Departamento de Geografia está praticamente assumindo
como corretas as informações de Felício. O que, até onde eu sei, não é
verdade.”
Vicente Barros, do
Centro de Investigação do Mar e da Atmosfera da Universidade de Buenos Aires,
destaca que existem fundamentos sólidos nas ciências climáticas.
“O IPCC analisa dezenas
de milhares de estudos científicos para formular seus relatórios. É um trabalho
sério, que apesar de já ter apresentado erros no passado, jamais poderia ser
considerado uma ‘fraude’. Quem insiste nesse tipo de conspiração é desinformado
ou mal intencionado”, declara.
Para Barros, o número
de céticos vem caindo no mundo. “Cada nova pesquisa diminui as margens para
dúvidas. Um dos últimos estandartes do ceticismo, a Universidade de Berkeley,
acaba de mudar sua postura. Apesar dos cidadãos de alguns países serem mais resistentes
que outros à ideia das mudanças climáticas, todos os Estados-membros das Nações
Unidas estão ao lado do IPCC.”
Ana Deysi Lopez, do
Ministério de Meio Ambiente de El Salvador, resumiu como seu país deixou de ter
céticos. “A realidade nos golpeou. As perdas, econômicas e de vidas, causadas
por fenômenos climáticos extremos aumentaram muito nos últimos anos. Diante dos
números, não há mais dúvidas de que o governo precisa agir.”
Fabiano Ávila - Fonte: Instituto CarbonoBrasil
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